Começa a Copa da Rússia e certos instintos, soterrados por preocupações ou proscritos pela vida adulta, ressurgem espantosamente – como que por milagre, rebrotam para mais uma primavera.
A que se deve o fenômeno?
A gente pode até pensar que é a paixão pelo futebol, o esporte mais popular do planeta.
Pra mim, nada mais longe da verdade.
A verdade verdadeira é essa: acho que não gostamos de futebol.
Me arrisco a dizer: sequer de Copa do Mundo gostamos.
Gostamos é de histórias.
O que faz de Nelson Rodrigues o maior cronista esportivo de todos os tempos e línguas não foi o talento para a melodia da frase – a maestria no ritmo concatenado das orações; tampouco a inventividade rara para as metáforas inesperadas, deliciosas.
O que distingue Nelson de todos os demais é a sensibilidade extremada, o faro fino para enxergar o óbvio debaixo do meu nariz. Que é este: não há, não existe, nem nunca houve o futebol. Tudo o que existe são histórias. Somos loucos por histórias.
O futebol é a natureza humana – em todas as suas vilezas, nobrezas e peculiaridades. Tudo o que há de feio, o que há de belo, o que há de ruim, o que há de bom.
Todo jogo é um teatro. Encenado ao vivo. E nenhuma partida é irrelevante – por mais horrenda, por mais pelada – homérica! –, que seja.
Nosso dramaturgo compreendeu a verdadeira natureza do futebol em todos os seus atos e personagens necessários. A volta por cima do desprezado. A injustiça no triunfo de vilões. A fortuidade da sorte. Ascensão e queda dos impérios. As batalhas sangrentas e seus comandantes. Os ícones. Os símbolos. A morte de velhos reis por seus predecessores. A vitória individual, a derrota coletiva. Grandes conquistas, vinganças comezinhas. A inveja, o despeito. Respeito e irmandade. Covardia. Coragem. Tragédia e comédia. Húbris e Glória.
É preciso que haja o juiz ladrão, a falha grotesca, o gol redentor. O que faz rir a uns, a outros fará chorar multidões.
Se um simples casados x solteiros bem observado já encerra em si todo um universo de pequenos dramas, que dirá a Copa do Mundo – a grande história, a narrativa de nações de todos os continentes.
Alguém então contestará: certo; mas, até aí, vale para qualquer esporte.
Verdade.
Mas o escritor franco-argelino Albert Camus disse uma vez que, tudo o que aprendeu sobre moral e as obrigações do ser humano, ele devia ao futebol.
Gosto de pensar que, como o Nelson, o autor de O Estrangeiro entendeu.
Não gostamos de futebol. Nem de Copa do Mundo. Gostamos de histórias.
E de bola na casinha.
Ora, Rubão, após o jogo de hoje entre Argentina X Islândia, se Nelson fora vivo, el señor Lionel Messi estaria eleito para uma daquelas crônicas inesquecíveis, personagem tragicômico de momentos de risos e lágrimas. Quem sabe a atuação de C. Ronaldo na véspera tenha se abrigado no mais recôndito da alma do argentino?
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Sim, é verdade. Messi seria “o meu personagem da semana” e, provavelmente, Nelson o dissecaria psicológica e dramaticamente.
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